UM FORASTEIRO


 

Os conceitos explorados sobre grupos na obra “O Tempo das Tribos: O Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa”, de Michel Maffesoli, fizeram-me repensar muitas coisas em minha conduta enquanto cidadão. As citações do autor, recheadas de apontamentos de outros autores clássicos, despertaram um incômodo latente que há muito permeava meus devaneios.


Não consigo me ver como parte de nada daquilo que me caracterizam há algum tempo. Desde pequeno, “Aquela Senhora” me educou e instruiu sob a seguinte epígrafe: “Você não é melhor e nem pior do que ninguém. É diferente!”

Nessa vida urbana em que vivemos, onde tudo e todos parecem convergir pensamentos, ações e palavras em prol de um grupo, imiscuindo em grupos diversos, formando outros maiores e participando de outros menores, a coisa parecia fazer sentido até certo ponto. No entanto, com a vil utilização dos mecanismos em prol de uma clássica polarização esportista, as frequências foram afloradas para pesquisas, culminando com esse “achado”, graças, é claro, a uma personagem frequente em minha vida.

Lá, nas palavras de Maffesoli, tudo parece e – ao mesmo tempo – não parece fazer sentido. Como consequência, não consigo me ver inserido em nada daquilo que, aparentemente, continuam a me apensar.

Ismos, Istas, Eiros

Não perderei tempo aqui descrevendo os incontáveis adjetivos que me conferem por aí. Aprendi, com essa magnífica leitura, que a empatia é algo muito perigoso, pode acabar nos lançando em terrenos aparentemente acolhedores que, no fundo, se revelam como um quintal de terra batida cheio de espinhos e pregos enferrujados.

Os “ismos”, “istas” e “eiros” perderam totalmente o significado em minha mente. Algum conhecido fatalmente dirá: “Tudo isso por causa de um livro?” A clássica avaliação superficial de mentes que podem até ser aparentemente pensantes, porém, no ínterim, não passam de mais uma das variantes fúteis tão bem descritas por sociólogos, sejam de gabinete ou de campo.

Como ser humano, é aterrador olhar ao redor e se incomodar com o espaço ao qual se está inserido. É como acordar em alto mar, com a consciência que não se sabe nadar. Ou que só agora percebeu que está em um lamaçal sem fim. Algo como pegar um ônibus em direção ao Fazenda Dos Mineiros (São Gonçalo-RJ) e saltar no penúltimo ponto em meio ao temporal.

Empatia

As avaliações positivas em cima disso trazem seres que se auto-intitulam “não se preocupar com nada”, já que nada faz sentido, que se dane o resto, não é? No entanto, não fui instruído a figurar na sociedade como um ser “inútil”, com a única finalidade de gerar receitas para um deus criado pelos economicistas de plantão por “séculos e séculos amém”.

Talvez eu não tenha escutado direito o que aquele cara, personagem da ficção, tão claramente me diz há 30 anos. O cara gente fina, que não se envolve demais para que não entrem na vida dele. Que aparece de repente, toma umas cervejas em grupo, mas tão logo desaparece para “deixar saudade”. Mais uma vez, empatia, reconfortante e perigosa.

Curioso o que “Aquela Senhora” com suas magníficas analogias em citações disse certa vez: “Ao passar na calçada de um boteco e um cachaceiro conhecido lhe chamar para falar qualquer coisa, basta que ele se ausente para ir ao banheiro, para que um transeunte, do outro lado da rua, incrimine-lhe sob pena de ‘cachaceiro’. Apenas por lhe ver solitariamente diante um copo de cachaça!”.

Esse fluxo de informações, cada vez mais constante, onde as pessoas parecem querer se expor cada vez mais, acaba por me mostrar que este círculo que se apresenta como o que estou inserido, de fato, não serve para mim.

Estranheza

Precisamos sempre vestir máscaras, criar personagens, nas diversas “tribos” que somos tão absurdamente inseridos. E não me venha com a baixeza de aclamar transparência e integridade absolutas, já que até os monges tibetanos precisam manter segredos. Até aí, tudo bem. A coisa toda começa a complicar quando se é cobrado por algo, sem que se receba por cumprir a atribuição. E é exatamente neste ponto que se começa a ver que o espaço ao qual se está inserido, não é tão acolhedor assim.

Esse processo de desumanização que se instalou na sociedade, nas cidades, nos bairros, nos nichos, enfim… Leva-me a desarticulação daquilo que acreditava intrincado. Pois, a tal da empatia é fingida, é hipócrita. Toda reivindicação, toda contestação, que não seja integrante da ânfora do indivíduo, torna-se “mimimi”, quando não aparece na forma de retaliações juvenis, em distorções de fatos históricos em prol da fantasia subjetiva, embasada no academicismo “youtuberiano”.

Aliado a isso, temos a conduta do “escambo moral”, onde os “sub-nichos” personificados na figura de um código – lê-se, usuário de rede social – se reúnem para engrossar o caldo dos vitupérios. Pequenos “Messias” que sentem mais dores, que avaliam o esforço alheio como menor do que o próprio e que, ao estender a mão em auxílio, acredita fazer mais do que aquele que lhe retribui a outra mão em ajuda. Uma gama daquilo que se mostra como necessidade de autoafirmação.

No fim, os espaços se tornaram hostis, os grupos se tornaram desagradáveis e eu me sinto um forasteiro.


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