E a árvore?


Novamente o Funk está em voga nos lábios dos roqueiros. Dos mais novos aos mais velhos, a última contenda entre Rick Bonadio e Anitta, via Twitter, fez com que uma gama considerável alimentasse a publicidade do gênero. Convido-te a refletir comigo acerca de alguns pontos.


Vou levantar um tópico logo de cara, para afastar aqueles que creditam aversão ao gênero devido ao que chamam de “putaria”. Roqueiro averso ao Funk por um motivo desses, precisa rever alguns aspectos em sua própria postura, largar a hipocrisia de lado ou simplesmente abrir o site de letras traduzidas e passar os olhos nos conteúdos que seus digníssimos ídolos fizeram no decorrer dos anos. Se formos considerar a conduta dos Rockstars então, o argumento por si só já se derruba.


Saindo dessa zona, entramos em um ponto mais subjetivo, que nos leva a refletir sobre o que realmente apreciamos ou não em uma música. Cada gênero tem suas peculiaridades harmônicas, melódicas e rítmicas, embora possam flertar com outros gêneros, criando sub-gêneros ou apenas canções fora de um padrão previamente definido. Daí, cada ouvinte tem sua subjetividade onde, no mesmo gênero, no mesmo artista que segue, pode gostar ou não gostar de determinada música. Ou, é claro, não gostar de determinado gênero musical pelo que escuta dentro deste parâmetro “Harmonia, Melodia e Ritmo”. Aliado a isso, temos as letras (supracitadas) das canções, que podem ou não refletir o conceito de determinado artista, ou gênero, agregando um público específico, por diversos fatores distintos. 


Esse misto de engrenagens, com mais outros fatores que não vou entrar aqui, cria o efeito cultural que gêneros musicais impõem através de hábitos, costumes, trajes… Enfim, na vida do ouvinte direto e indireto que consome aquele gênero. Com o Funk não é diferente. Assim como no Rock, ouvintes do Funk gostam de trajar determinadas vestimentas, consumir determinados produtos, idolatrar artistas e propagar conceitos que são demarcados pelo conluio existente no cenário daquele gênero. Acredite ou não, isso faz parte de todo gênero musical. Então não fique sentido quando ligar a TV e ouvir alguém dizendo que Funk é cultura. Da mesma forma, o Blues é cultura, o Jazz é cultura e, é claro o Rock e o Heavy Metal também são culturas.


Considerando a conduta no Rock no decorrer dos anos como do seu conhecimento, leitor, subentende-se que não deveria haver preconceitos de roqueiros com os demais gêneros musicais. Se o indivíduo bate no peito e se diz “Rocker” ou “Headbanger/Metalhead”, não deveria apontar os dedos para outros gêneros por conta do que escuta em suas letras. Esses dedos apontados se reverteriam em outros contra si mesmos. Essa batuta do preconceito é o que mais se vê em textos declamatórios de amor ao Funk, por pessoas que dizem amar a música na totalidade. Dissertam generalismos como “Rock se tornou conservador”, ignorando a subjetividade composta por pessoas em um gênero tão global e parecem abraçar o Funk mais por uma questão de oportunismo situacional do que pelo apreço. O curioso é que não vejo desfilarem com a camisa da Anitta ou declamarem versos de suas canções por aí. O que parece é a não observação dos comportamentos sociais nos dois gêneros, atrelando classes, sem incorrer em anacronismos besuntados por incongruências.


É bom sempre lembrar da antipatia do funkeiro com o roqueiro lá na década de 90 e primeira metade dos anos 2000. Isso acontecia na periferia, onde ninguém noticia nada e onde a maioria ignora o fato de haver roqueiros também neste ambiente. Essa santificação desesperada que vejo em textos, postagens e comentários não fazem jus ao que de fato ocorria. Esses autores, que sempre aparecem em épocas assim, para retirar da bainha a Espada Santificadora de Todos os Gêneros (exceto de novos nomes do Rock. Aqui a espada não funciona), ou não viveram em ambiente periférico naquela época, ou são novos o suficiente para sequer ter conhecimento do que ocorria. Época esta, onde era comum roqueiro ter que correr de grupos de funkeiros na madrugada para evitar espancamento, ou andar em bando para se precaver. Ainda assim, era comum ouvir de funkeiros, alcunhas específicas para roqueiros como “morador de cemitério”, “comedor de lixo”, “viado-que-arranca-costela-pra-chupar-o-próprio-pau”, dentre outras. Ah! Como eu poderia esquecer da frase clichê que tanto escutei? “Não tem mulher no Rock! Isso é ‘coisa de viado’”! Óbvio que as caçadas não eram frequentemente violentas, havia muito de escárnio e pouco de vias de fato, exceto quando o teor das substâncias no sangue fervia a massa cerebral. Aí, “parceiro”! Você tinha que se virar.


Hoje, a pirraça do “funkeiro troo” está mais entre defender a Anitta contra a Ludmilla e vice-versa do que incitar roqueiro. A volubilidade do funkeiro, que dança no Pagode, Sertanejo e sabe mais aonde, impede uma interpretação mais concisa. No entanto, o caso aqui não é atirar em funkeiro. Mas tentar entender o roqueiro que despende tempo com um gênero que ele não gosta. Também, gostaria que você me ajudasse a entender o roqueiro que sai em defesa de qualquer outro gênero em detrimento do que ele diz gostar.


Os argumentos dos dois lados já se tem de cor. Uns dissertam sobre a cultura do Funk, outros dissertam sobre a banalidade nas letras. Os primeiros levantam a bandeira da agressão ao conservadorismo, enquanto os opositores sustentam argumentos reacionários. Há ainda o ecletismo em jogo, onde um lado prega fervorosamente, enquanto o outro aponta como apenas desespero para parecer legal. É risível ver o Funk dividindo o Rock e, inclusive, o Heavy Metal.


No mundo dos algoritmos, aqueles que se dizem roqueiros, que clamam por novos nomes ou pelo Rock/Metal em evidência, deveriam ter uma atitude diferente. Não é raro você deslizar o dedo pela “Timeline” e ver compartilhamentos e publicações aleatórias, além daquelas com cheiro de naftalina, onde relembram repetidas vezes as mesmas canções, dos mesmos artistas, do mesmo vídeo. Como se tal artista precisasse de compartilhamentos orgânicos. Ok! Não posso e tampouco devo propor uma perseguição àqueles que só vivem do passado, muito menos clamar por uma padronização de publicações de roqueiros. Entretanto, vale a reflexão sobre o motivo pelo qual o próprio Funk está aí, enquanto o Rock e Metal, sobretudo no nosso país, vivem em um curralzinho para bebês, onde apenas os “mais qualificados pelo investimento” crescerão com saúde. Se o funkeiro tivesse o mesmo comportamento do roqueiro com respeito aos hits e artistas, o gênero já teria sucumbido faz tempo. O Rock e o Heavy Metal, para nossa felicidade, são gêneros e sub-gêneros globais. Não fosse isso, já era.


Mas é bom não se acomodar, a maré pode vir violenta como um dragão e acabar com os frágeis castelos de areia. 

Gostaria de fazer um adendo aqui sobre a citação tão frequentemente utilizada por blogueiros de plantão e “especialistas” da área: “O Rock se tornou conservador!” É muito nítida a estagnação enquanto ouvinte do ser que utiliza tal sentença. Pois, ao se valer de condutas e exclamações de determinadas personagens para dignificar a totalidade dos seguidores do gênero, vê-se uma tremenda desonestidade. É desprezar a diversidade do ser humano, a subjetividade, em prol de frutos virtuais como “joinhas” e “corações”. É deturpar um conceito, difundindo inverdades embasadas em Heurísticas da Disponibilidade (olha ela novamente nos meus textos). O Rock sempre foi progressista, sempre será progressista, porque isso faz parte do seu conceito. Quem age fora deste princípio no Rock, fatalmente descumpre com o seu dever de “Rocker” e/ou “Metalhead/Headbanger”. A utilização da citação “O Rock se tornou conservador”, mostra o quão descompromissado o autor está em alimentar o gênero, trazer novos emblemas para este colete surrado. Simplesmente se mostra como um surfista que abandona sua orla em detrimento de outra, porque a plateia se foi no pôr do sol.


Eu termino este texto, chamando-lhe a refletir se realmente vale a pena gritar ao deus dos quatro ventos que o Funk presta ou não presta, em vez de trazer à luz novos nomes no cenário e difundir artistas no gênero que estejam no mesmo parâmetro que lhe fez ouvir aquilo que está lá na frente das bolinhas de naftalina do seu armário, ou em alguma pasta perdida no seu HD.

Os gêneros musicais, como cultura, são como árvores. E se cada um não fizer a sua parte, ao cuidar, regando, adubando, protegendo, certamente essa árvore não vai resistir. Pode até aguentar bastante tempo, mas uma hora ela apodrece.


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