Autoral x Cover (Parte II)



Percebo que as redes sociais fomentaram o cenário necessário para o mercado continuar sua fórmula de autossabotagem para seu próprio sustento. A polarização sempre formou dois grandes nichos, a partir de nichos menores. Então, trago outra reflexão sobre esse tema batido.


A Heurística da Disponibilidade – agradeço a correção do Rayan Sales – é marca quando o assunto é Autoral x Cover. Trago este texto como uma continuação do meu anterior sob uma ótica diferente. Dissertarei sobre estas linhas e gostaria da sua opinião acerca desta ótica.

Há uma unanimidade quanto à facilidade em se avaliar um produto em detrimento de se avaliar um serviço. Por possuir determinadas características físicas, função, etc. o produto pode ser bem ou mal avaliado por seu possuidor. Com serviço isso é diferente, bem diferente, já que só se avalia após o seu consumo. E bandas, ao tocar músicas sobre um palco, prestam um serviço de entretenimento a stakeholders (donos das casas, produtores, público e aos próprios integrantes das bandas).

Porém, não há critérios oficiais que lhe permitem dizer que uma banda é ruim e outra é boa, porque isso é subjetivo, a ponto de você, através de suas redes sociais, fazer uma pesquisa trivial: Abra uma publicação e pergunte “O que uma banda precisa fazer para ser boa na sua opinião?” Eu já fiz isso e não encontrei nenhuma unanimidade nas respostas. Como já disse em outra ocasião, não existe ISO 900e lá vai bordoada para dizer que uma banda presta ou não presta. E aqui eu deixo alguns tópicos que assemelham as situações das bandas Covers e as Autorais.


Indução.


Não é segredo para ninguém que a indução é um fator predominante no mercado da música e do entretenimento em geral. Seja pelo boca-boca, seja por um veículo de mídia, ou por vínculo afetivo. Muito provável que você curte a maioria das bandas que tem na sua cartilha por alguma indução. “Você vai curtir essa banda aí! Se liga no som!” O boca-a-boca mais clássico que você pode ter ouvido durante todo o tempo que curte Rock N’ Roll. Hoje, com a proliferação da internet, esse “Estímulo e Reforço” ficou muito mais presente através de grupos em redes sociais ou amizades de longa distância. Mas não se engane, isso sempre aconteceu.

As bandas Covers são calcadas exatamente em cima disso. Não a toa, há incontáveis bandas covers de Guns N’ Roses, Metallica e Iron Maiden. Ou você já viu 5 bandas do Tygers Of Pan Tang, do Witchfinder General ou do Angel Witch na sua cidade? Eu duvido. As bandas mais consagradas possuem essa carga de indução, fazendo com que o público seja uma moeda certa. Todavia, o buraco não é tão fácil de esconder assim. Não é raro ouvir “Não curto essa banda cover do Guns”, “Prefiro a outra banda cover do Metallica” e por aí vai. Mais uma vez, há algo que ligou aquele Fulano com determinada banda cover e aí, com esse mundaréu de mesmas bandas covers, a competência prevalece. Quanto mais próximo do original, mais competente se torna.

E mais uma vez chegamos numa sinuca de bico. O que significa ser “mais próximo do original”? Ser parecido fisicamente? Usar os mesmos trajes, os mesmos gestos ou tocar o mais fiel possível? Você pode me responder na lata “tocar o mais fiel possível” e eu vou dizer que você traz pitadas de inverdades nisso, já que não é comum bandas covers “mais fantasiadas” possuírem mais números do que aquelas que são fiéis à execução do som. Nós não precisamos “viajar na maionese”, certo?

De forma semelhante acontece com as bandas Autorais Independentes, em um grau muito menor, é claro. Há muito vínculo pela afeição ao som que remete a alguma banda antiga. Isso sempre aconteceu, inclusive com as bandas que hoje você venera como clássica. É o fator de referência. O ser humano gosta de ter uma bússola para se situar e, assim, é comum um recém ouvinte de banda nova ao ouvi-la, dizer: “Gostei! Parece com tal ou soa como tal!” ou “Essa porra é uma merda, copia descaradamente Fulano!”

Tenho alguns amigos que, certamente, se você for a uma festa deles, vai se surpreender quando, ao terminar Seek And Destroy, começar a tocar We Are Facing Fear. Estes são os caras que estão pouco se lixando se a banda é velha ou nova. Eles gostam de Heavy Metal e se a banda toca Heavy Metal, vai tocar no som dos caras. Esses são as exceções que o mercado não consegue controlar por completo, sobretudo num mundo em que o acesso às bandas vai depender de como as bandas entregam suas músicas. Mas “a regra é clara”: Se é banda nova, torce-se o beiço a princípio.


As casas.


Gosto de tocar neste ponto, porque a galera do “Autoral Acima de Tudo” costuma – eu disse costuma – metralhar os donos das casas. Eu mesmo tenho certa animosidade com alguns fulanos e beltranos que verbalizaram trivialidades a respeito de bandas novas, generalizando-as como se fossem parte de um nicho sem peculiaridades. Não vou ser hipócrita.

Mas vejamos aqui. Monte seu estabelecimento e avalie as situações. Aquilo ali tem que fazer dinheiro e bater as contas, dar lucro – porque não é centro de caridade – e manter a satisfação de uma clientela que cada vez mais possui alternativas para procurar outro antro de “lazer”.

Se eu chegar ao Rock N’ Beer, Buffalo’s ou Studio B e dizer: “Daqui a quinze dias, separe o sábado pra mim que eu vou colocar o Iron Maiden aí por R$ 1.000,00 o ingresso”. Mesmo com um planejamento estratégico feito no papel higiênico, acertando pormenores de segurança e logística, eles tirariam qualquer atração cover da data, em prol do Iron Maiden.

Mas se eu fizesse o mesmo sobre o Facing Fear? Eles teriam todo o direito de dizer: “Tá comendo merda, cara?” Isso é negócio, gente! Não é rolê, não é brincadeira de final de semana, não é bebedeira. E mesmo que nós do Facing Fear, com rascunhos e mais rascunhos, reuniões e mais reuniões sobre viabilidade financeira para tudo o que fazemos, chegássemos com um Planejamento Estratégico bonitinho, pautado em 9, 12 meses de antecedência para o evento, ainda assim seria passível de ampla avaliação pelos caras. Cuidado com o romantismo. Ele é perigoso.

A banda cover traz – ou deveria trazer – a sensação daquela atração original, enche a casa e há consumo o suficiente para que a banda da noite tenha sua remuneração acertada, em regra. Óbvio que há exceções.


Há músicos e músicos.


Precisei dessa explanação acima para chegar onde eu gostaria. Há músicos e há músicos. Nos últimos dias, por conta deste meme que figura na postagem, vi incontáveis opiniões distintas, uns atacando o Cover com não possuir isso ou aquilo e outros atacando o Autoral ao generalizá-lo como “Tudo que se faz hoje não presta”. Acredito que já dissertei o suficiente sobre isso e, se não, trago mais palavras no futuro. Mas aqui o ponto é outro. São os músicos.

Apesar de ser veementemente contra esta generalização – como se fosse anormal de um ser humano, hehe – podemos dividir os músicos das duas alas em 2 tipos. Primeiro, gostaria de apresentar os “tipos do autoral”:

O Maluco Utópico: Eu me enquadro nesse cara aí. Usei “Utópico” porque pra fazer estratégias com o fito de se galgar um lugar na música, fazendo o som que faço, no Rio de Janeiro, no mínimo é para ser caracterizado como um Maluco Utópico. Esse tipo também pode ter uma subdivisão: a do Maluco Sonhador, que é aquele que acha que a música dele é a melhor do mundo, ele é o melhor do mundo e, ao tocar em qualquer buraco por aí, alguém vai aparecer com um contrato de milhões para ele assinar, sem precisar de fazer nada por isso, apenas tocar.
O Maluco Utópico é o cara que não se emputece com os do cover, mas com os caras do segundo tipo a ver.

O Maluco Mais Malandro: este pode estar em qualquer banda. Pode estar numa banda só de Mais Malandro, ou pode atrasar o lado do Maluco Utópico. É o tipo que só faz algo autoral para entrar de graça nos estabelecimentos onde toca, arrumar mulher, beber, fumar ou cheirar de graça, etc. É o cara que caga para o resultado da parada, porque se der errado, alguém vai arrumar algo pra ele fazer da vida. As bandas de Mais Malandros são, em regra, as que prostituem o cenário do Rock/Metal Autoral. Tocam por Hobby.

O Vivo do Cover: Tenho amigos na rede social que são profissionais neste ramo do cover. Ganham a vida deles através das reproduções, pagam suas contas, seus arroz e feijão. E como a vida não é um mar de rosas, escolheram este caminho. Não se pode julgar este cara por um motivo muito simples: o do “Pelo Menos”. Pelo menos ele não largou a música. Gosta de tocar e vive do que gosta de fazer. É o mais pé no chão de todos, porém que perdeu o brilho nos olhos.
Mas vi alguns comentários deste tipo sobre o Cover, generalizando a profissão como se todos os profissionais do cover participassem da mesma realidade que a deles, o que é descaradamente uma inverdade, já que temos o seguinte.

O Melhor Tocar Cover, Do Que Tocar Pra Ninguém: este aí é o que prostitui o Cover. É semelhante ao cara do Hobby lá do Autoral. A banda do samango toca por “Licitação”, dá o menor lance e pega o palco. Em geral, faz parte do grupo que leva tapinha de felicitações de quem está muito alcoolizado para identificar se o fulano realmente tocou a música fiel, embora não seja o único critério para se identificar a fidelidade de uma banda cover. É quem geralmente se fantasia devido a menininhas encantadas com uma “imagem parecida com a do seu ídolo”, que toca por cerveja ou afins. Descaradamente a maioria do ramo.


Conclusão.


Óbvio que este texto reflete uma visão particular de um cara que perambulou por mais de uma década dentro destas duas alas. Há pessoas mais cascudas e há mais novas, cada uma com sua percepção acerca do assunto. Não há necessidade de polarizar o Cover e Autoral, porque fazem parte de mercados diferentes. As agressões que a galera do Autoral fazem à do Cover, vêm mais por conta da ausência de espaço – destinado muito mais a este – do que pela música. Não vai mudar através desta via. A resposta em forma de escárnio da galera do Cover ao Autoral também não faz o menor sentido, já que tocar cover nunca será o mesmo que compor seus próprios trabalhos. Vidas diferentes, processos distintos, objetivos diversos. Dinheiro? Dinheiro se faz N formas distintas… Lícita, por favor, hein?

E aí? Quero ouvir sua opinião sobre essa briga banal que os reféns de polarizações continuam a alardear.



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