Palmiteiro?

Esses novos tempos são fantásticos. Diferente de outros da “faixa dos 30”, eu aprecio em demasia os tempos em que vivemos, onde cada vez mais as pessoas procuram se expressar, gritar do seu interior. Abomino veementemente a expressão “mimimi” e de que “antigamente era melhor”. É o típico papo do samango que se vê fora da zona de conforto e que anseia os velhos tempos onde ele tinha seu “Danone geladinho na mão, dado pela mamãe!”, mesmo que sequer soubesse quanto estava custando aquele Danone gelado.

Enfim, descobri recentemente que fui incluído num nicho depreciativo chamado Palmiteiros. Confesso que, a princípio, não entendi bem como funcionava esse tipo de grupo. Pesquisei abordagens e mais abordagens, porém vi mais de Senso Comum do que de Ciência. Logo, então, posso clamar pelo meu Senso Comum para dissertar sobre o assunto, sem sarcasmo.

Palmiteiro é, via de regra, o homem negro privilegiado, que se relaciona com mulheres brancas, em detrimento das negras. Para todo o símbolo do movimento negro, isso soa bastante ofensivo. Mas eu precisei buscar nas entranhas do meu passado para tentar entender o porquê fui inserido neste nicho.

Para começar, vou precisar voltar à década de 90 e, como diz um grande amigo meu, “aquela época não era brincadeira, cara”.

Toda a nossa sociedade, nessa tal “década de 90” estava orientada à cultura do caucasiano. O negro, fosse homem ou mulher, servia como um simples adereço de festa. Era um grupo de pagode, um ator interpretando papel de escravo ou empregado. Os moleques negros eram constantemente alvejados por apelidos depreciativos, comparando-os a animais, minerais “feios” e qualquer personagem de novela que fosse um empregado “engraçado” ou um escravo (as novelas de época faziam vez) em suas “Escolas Públicas”, onde os instrutores, quando tentavam controlar a “brincadeira”, faziam uso da sua única arma contra a pilhéria depreciativa: “Pare com isso, garoto! Rsrs!”

Sim! A década de 90, mais do que qualquer outra, abraçou os filmes de Hollywood com suas novas tecnologias onde, na maioria, os brancos protagonizavam, negros não tinham relevância - quando duravam até o fim da obra - e as mulheres negras, tão relegadas ao acaso, acabavam tendo uma participação ainda menor.

Ser negro era ser estranho e você tinha que se adequar ao padrão para “participar” da sociedade, fosse alisando seu cabelo ou cortando baixinho para que o “cocô de rolinha” ou “Bombrill” não aparecesse.

Daí você que está lendo pode me questionar: Mas isso não ficou assim na década de 90. Já estava antes!

De fato, a década de 90 apenas foi a desembocadura do rio. E aí eu levo o meu Senso Comum para ilustrar, visto que eu não desfrutava de total consciência antes da dita década vir a acontecer.

Mas não é sobre o que negro sofria que eu quero falar.

Morei num lugar chamado Tenente Jardim, praticamente entre São Gonçalo e Niterói, no RJ. O bairro, na época, era governado pelo ritmo do Pagode. Se acordasse numa manhã de Domingo e fosse comprar o seu pão para o desjejum, já tinha um samango com um pandeiro na calçada, a cerveja rolando, o pão de alho, etc. Quem saísse da Igreja Católica, já saía no ritmo, porque em frente havia outro bar que, durante a missa dominical, já estava com os pandeiros a todo vapor. Aniversário de criança, velório, sepultamento, formatura… Tudo era regido pelo ritmo do pagode. Eu, uma criança na época, simplesmente odiava Pagode. Hoje apenas um desapreço. Mas isso é papo para outro textão. Não quero dizer com isso que era um roqueiro mirim em meio a horda do pagode. Eu simplesmente detestava música.

Os nichos sociais já estariam definidos desde Aristóteles, quando da afirmação em que “o homem é um animal social”? E o que dizer da “Necessidade de Pertencimento” de Maslow? Será que os dois já não teriam dado um pontapé inicial para o que muito depois acabou se tornando Nicho de Mercado?

Quando eu era moleque (e lá vem mais Senso Comum! Aguente!), conheci muitas meninas negras com suas virtudes e desqualificações, assim como brancas. De fato, nunca pensei que eu pudesse ser levado a “escolher” mulheres brancas, até porque isso soa muito ofensivo, como se as mulheres fossem um produto pendurado no açougue. Lembremos sempre que uma relação carece do “SIM” das duas partes.

Entretanto, voltando ao ponto, jamais fui um “homem negro privilegiado”. A começar pelo padrão de beleza imposto na época: “Negro era feio e fim de papo!”; Seguimos pela condição financeira, que nunca me foi favorável (ao menos, a partir do ponto em que passei a ter a “consciência da vida”). E por fim, Status. Se há algum outro parâmetro para me incluir num grupo denonimado “Homem Negro Privilegiado”, por favor, informem-me!

Vocês podem pensar hoje: “Porra! Que vitimismo!” Mas sinceramente? Aprendi a viver como o cara estranho. Mas aprendi mesmo depois que um certo cara por aí me apresentou um livro de capa verde e me disse: “Você só precisa de duas coisas nessa vida para vencer: Carisma e Lábia”. Aquilo remoeu e remoeu até eu “aprender a treinar” ambos.

Sou um cara muito complicado, por ser muito imprevisível. Sou chato e, se a Dona Karollyne está comigo há pouco mais de um lustro, é porque ela entendeu como funciona as coisas comigo. Claro, com recíproca.

Então eu volto à minha infância e adolescência, onde as negras do meu seio social ou padeciam da “mesma visão de mercado” ou me olhavam como o carinha estranho e deveras desinteressante. Sinceramente? Eu só aposto pra ganhar. Se eu ver que não posso ganhar uma aposta, nem começo.

Nunca me inseri naquele grupo do “É som de preto e favelado…”. Na verdade, sempre me senti ofendido com aquele tal hit de sábados vespertinos. Sou negro, não gosto de Funk e não me considero um favelado, embora seja residente de uma periferia. Não quero dizer com isso que “pelo meu nível, deveria estar na Zona Sul do Rio de Janeiro”. Por incrível que pareça, os maiores bostinhas estão nesse lugar aí.

Quando eu conheci o Rock, percebi que ali eu tinha liberdade de ser o carinha estranho (Inoceeente, rapaaaz… HAHAHAHAHA). Sim! Vivo o presente e definitivamente, não gosto de ficar remoendo o meu passado. Fui criado para ser o melhor em tudo aquilo que faço. Na verdade, três vezes melhor. Duro, feio e zoado. No Rock, apostei pelo vocal (já disse algumas vezes). Simplesmente eu só precisava levar a voz. Mas eu era muito ruim e acabei sendo demitido da minha própria banda. Exigia demais, com pouca competência. Então, parti para um ritmo de 7 anos ininterruptos de treinos. Sempre sob a máxima do meu maior treinador, aquele me dizia em que eu teria de ser 3 vezes melhor para ser reconhecido como bom em alguma coisa. Não nasci com dom de cantar, aprendi na raça e na marra, pegando dica daqui e dali, porque eu não tinha dinheiro para “pagar aulas de Canto”.

Por falar nisso, minha maior paixão foi por uma mulher negra. O Grande Capitão (no masculino e jamais entenderão), tão citada por mim em postagens e textos. Foi o Capitão que lançou máximas como: “Não deixe o ambiente te fazer, faça você o seu ambiente!” - contrariando Aristóteles? - ou citando várias vezes Plutarco em “Uma alegria tumultuosa anuncia uma felicidade medíocre e breve”, ou até o simples: “Independente do que acontecer, faça a sua parte!”.

Por essa mulher eu fui treinado, não criado, como dizem geralmente as mães. Treinado para ser o melhor sempre, para ser o primeiro e, enquanto não for o primeiro, não descansar enquanto não alcançar o objetivo. Isso eu não via dos pares negros. Não quero dizer com isso que não havia negros com objetivos determinados, mas no meu seio social, difícil apontar um.

As mulheres negras que passaram pela minha vida, antes de me engalfinhar com a Dona Karollyne, não detinham a mesma garra que aquele estereótipo que eu via todo dia em casa. E não quero dizer com isso que esse foi o motivo de eu “ir procurar uma mulher branca”, porque eu não fui procurar ninguém, simplesmente estava no meu caminho. Acredito, também, que eu estava no caminho dela… Sem romances, por favor.

A Dona Karollyne não foi a primeira mulher branca na minha vida. Houveram outras, poucas. Nunca fui “O Comedor do Futuro” ou “coisa que o valha” (Holden?). Também nunca me lamentei por não sê-lo.

Por sua vez, as mulheres negras que figuraram em minha vida, soaram tão desinteressantes quanto as outras brancas. Eu jamais me vi ou me verei obrigado a ter um relacionamento por conta de cor de pele. Como diria o Grande Capitão: “É bater cabeça pra caboclo errado!” ou “dar mole pra Cojaque!”. Pessoas são indivíduos e indivíduos são complexos. Se você, seja branco ou seja negro, procurar um relacionamento, partindo do pressuposto estético, saiba que há uma enorme possibilidade de você se ferrar… Que fale a minha linha de tempo do Facebook com as Marias Shampoo, chorando todo dia um relacionamento desastroso.

Eu simplesmente não acredito que essa expressão fará com que esses tais “Homens Negros Privilegiados” deixarão as mulheres brancas deles para ficar com mulheres negras, pois vivemos numa sociedade, em pleno 2020, em que as pessoas sentem ascos dos homossexuais, como se fossem animais asquerosos. Vivemos numa sociedade em que os negros, em sua totalidade, ainda são depreciados por qualquer tipo de atitude em que o status quo acha minimamente ruidosa.

Entendo que toda essa questão do racismo estrutural deva ser colocada desde já sobre a mesa. Sei e é perceptível a diferença entre os “Negros da Casa” e os “Negros do Campo”. Por outro lado, não será obrigando o negro a largar o relacionamento dele com uma mulher branca, que fará com que se tenha uma legião de negros mais unida ou levantará a posição da mulher negra. Não digo, com isto, que há erro na agressão. Somos agredidos por coisas muito piores todos os dias e a nossa Têmis, que é cega, mas não é surda, faz questão de escutar o lado que mais lhe agrada o bolso.

Os negros, no nosso país, estão longe de serem unidos. Há negros que ainda tem a audácia de reverberar o que alguns brancos, do alto de sua posição social, ecoam: “Não há racismo no Brasil” ou “Racismo é coisa da cabeça do negro”, e etc. Há negros que preferem ver o irmão negro fodido ao lado a oferecer ajuda, simplesmente por se achar em posição social melhor. Vamos lutar, sim! Mas vamos lutar com o pé no chão! Não é fazendo sambão e funk com sorriso na cara que se mudará alguma coisa.

E pra encerrar, se serei ou não achincalhado com o verbete de Palmiteiro, não é problema meu. O que sei é que NUNCA estive em posição privilegiada na sociedade. Não fui o garoto da chuteira de couro, do video-game da moda, do colégio particular, da rota, da camisa de marca, do cabelinho de artista, do caderno “descolado”, do estojo “bacana” e etc... Fui o garoto dos livros… Livros de sebos, com furos de traça e capas depredadas. E isso não era lá muito “legal” de se ostentar naquela famigerada década de 90.